A cidade de São Paulo está enfrentando uma verdadeira crise sanitária silenciosa: a proliferação acelerada de pragas urbanas como escorpiões, ratos e morcegos. Segundo dados oficiais, somente entre janeiro e março de 2025, a Prefeitura recebeu 8.561 queixas relacionadas a esses animais — um aumento de 39% em comparação ao mesmo período de 2024. Isso representa, em média, uma nova reclamação a cada 15 minutos, revelando um problema crônico e em franca expansão.
O fenômeno tem atingido tanto regiões centrais quanto bairros periféricos. Pirituba, na Zona Norte, lidera o número de denúncias no início de 2025, com 255 registros, mas a praga se espalha também por áreas como Perdizes, Pompeia, Pinheiros, Vila Madalena, Butantã, Sumaré e Lapa. Nas zonas mais afetadas, moradores convivem com medo constante, muitas vezes alterando seus hábitos por conta da presença dos animais — especialmente os escorpiões, cuja presença cresceu 25% no último ano.
As consequências dessa infestação vão muito além do incômodo. Em Perdizes, um morador foi picado por um escorpião dentro de seu apartamento, no banheiro, e precisou ser socorrido às pressas após apresentar sintomas graves como vômito, febre alta e variação de pressão. “Pensei que ia morrer”, relatou o chef de cozinha em entrevista ao UOL. (UOL) Casos como esse estão se tornando cada vez mais frequentes, e apontam para a ausência de um controle eficaz por parte do poder público.
No caso dos morcegos, o cenário também é grave. Na Zona Sul, o bairro de Santo Amaro teve um aumento de 33% nas reclamações, com relatos de moradores encontrando morcegos em corredores, garagens e áreas comuns de condomínios. Além do desconforto, o risco à saúde é real: os morcegos podem ser transmissores de raiva, uma doença rara, mas fatal.
No centro da capital, comerciantes enfrentam uma infestação de ratos, sobretudo em vias como a Avenida Rudge. A situação é agravada pelo descarte irregular de lixo, pela má conservação da rede de esgoto e pela ausência de uma política eficaz de limpeza urbana. Os roedores representam um perigo considerável por transmitirem doenças como leptospirose, que pode levar à morte em casos mais severos.
O avanço das pragas urbanas não é um fenômeno isolado, mas sim o sintoma de uma série de fatores interligados. Especialistas apontam que o crescimento desordenado da cidade, aliado à falta de manutenção dos espaços públicos e ao aquecimento global, tem criado as condições ideais para a proliferação desses animais. O biólogo Sergio Bocalino explica que os escorpiões, por exemplo, se adaptam muito bem ao ambiente urbano e, em especial, às redes subterrâneas como galerias de água e esgoto. “Eles são resistentes, vivem por anos, e as fêmeas se reproduzem sozinhas. É a tempestade perfeita”, alerta.
A crise climática também exerce um papel fundamental. A elevação das temperaturas favorece a reprodução dos escorpiões, que se tornam mais ativos durante períodos mais quentes. A impermeabilização do solo nas grandes cidades, o descarte de entulho e a falta de cobertura vegetal agravam ainda mais o desequilíbrio ecológico, eliminando predadores naturais e forçando animais silvestres a invadirem o ambiente urbano em busca de abrigo e alimento.
Diante desse cenário, a Prefeitura de São Paulo tem adotado algumas iniciativas pontuais. O Programa Piloto de Controle de Roedores foi implementado em subprefeituras como Itaquera, Campo Limpo, Jabaquara e Butantã. A ideia é mobilizar a população e realizar ações coordenadas para reduzir as fontes de alimento e abrigo dos ratos.
No combate aos escorpiões, a gestão municipal afirma realizar vistorias e capturas regulares. Os exemplares recolhidos são encaminhados ao Instituto Butantan para o desenvolvimento de soro antiescorpiônico. O serviço de atendimento ao cidadão (SAC 156) pode ser acionado por moradores que encontrarem os animais em suas casas, mas muitas vezes as equipes demoram dias ou semanas para atender aos chamados.
Especialistas em saúde pública e urbanismo apontam, no entanto, que ações emergenciais não bastam. O controle eficaz exige planejamento urbano, reestruturação do saneamento, programas permanentes de educação ambiental e o fortalecimento dos serviços de vigilância em saúde.
A população também tem um papel fundamental no enfrentamento dessa crise. Manter terrenos limpos, não acumular lixo, vedar ralos e frestas em residências e denunciar rapidamente a presença desses animais são atitudes que contribuem para reduzir o problema. A mobilização de condomínios, escolas e empresas em campanhas de conscientização é outra frente importante no combate às pragas.
O aumento explosivo de pragas urbanas em São Paulo é mais do que um problema de higiene: é um retrato do colapso ambiental, social e urbano que a cidade enfrenta. Escorpiões, ratos e morcegos se tornam indicadores vivos da desigualdade, do abandono de áreas periféricas, da ineficiência das políticas públicas e da crise climática em curso. Para reverter essa tendência, será necessário muito mais do que fumacês e capturas pontuais: será preciso uma mudança de mentalidade, que coloque a vida — humana e não humana — no centro do planejamento das cidades.
Autor: Paula Souza